Traição masculina - explicação mais que lógica
injetado por
Dai
on 24 de mar. de 2008
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As mulheres “cantam em coro”, praticamente, aos quatro cantos, que “todos os homens calçam quarenta”, ou seja, que são todos iguais. Assim sendo, “mudam apenas de endereço”. Porém, é preciso reconhecer que há um percentual, mínimo é verdade, mas que foge a regra, de sorte que é possível fazer uma pequena diferenciação. Na minha compreensão, o homem é o sujeito mais seguro de sua masculinidade, sem o desejo compulsório de se impor à busca de aventuras eróticas. Não se vulgariza de prontidão, confia, como dizem, no seu “taco”. Enquanto o macho, não necessariamente corpulento, este sim, apesar da pompa, é menos seguro, e, por isso mesmo, vive a espreita, não perde chance, é um “topa tudo” do tipo “caiu na rede é peixe”. Precisa provar para o mundo e, principalmente, se autoconvencer de que é macho, e para compor esse “figurino” não resiste aos, hoje, mines “rabos” de saias. É o protótipo do Don Juan, se julga objeto do desejo de toda mulher, acha que nenhuma é inume às suas investidas. Uma vez que, para ele não existe mulher difícil, mas, apenas, “mal cantada”. Deixa claro que não consegue controlar o impulso sexual, que sempre está irremediavelmente à mercê dos encantos do sexo oposto. Segundo Kierkegaard (apud BAUMAN, 2003) o prazer dele não é pela posse das mulheres, mas a sedução delas. Para Lipovetsky (2005), Don Juan está bem morto. Elevou-se uma nova figura muito mais inquietante: Narciso, subjugado por ele mesmo em sua cápsula de vidro.(p.16).
Discordo, um pouco, deste autor. Os sedutores estão bem vivos, apenas mudaram a composição da metralhadora giratória da sua sedução, o “face a face” com todo seu mise en scène, para o virtual - as atuais práticas do cibersexo levam até o fim essa ilusão: indivíduos sem corpos dialogam sem se ver, representando livremente suas identidades (BOZON, 2004) -, e o estético típico desta era de culto ao físico. Todos querem aparecer sarados na “vitrine das carnes”. A maioria “oca”, por vezes, coloca a própria vida em risco com o uso de anabolizantes, etc. O que difere, agora, é o esforço pelo físico perfeito que não se restringe a chamar apenas a atenção das mulheres, mas, também, para despertar nos outros homens admiração ou inveja como símbolo de imposição da estampa viril.
Narciso ou Don Juan, parece não ter saído da fase inicial da adolescência, carece de confiança na própria masculinidade. Em suma, o homem reage por alguns princípios éticos, e o macho, mais primitivo, pouco lapidado, se orienta pelas vantagens. Isto posto, tudo que neste texto diz respeito ao homem, em relação ao macho é potencializado.
Beauvoir (s/d) entende que a mulher não nasce mulher, mas se torna. Afirmativa sem consistência e estranha vinda de uma mulher, mas que o mundo acadêmico acatou como verdade. Entendo o processo de maturação da mulher como linear e nítido: a menarca, na qual a menina passa a ser moça; a perda do hímen, quando se torna mulher; a maternidade, a plenitude enquanto fêmea e, a menorpausa, quando encerra seu ciclo de fertilidade. Embora, neste último estágio, a mulher não seja culturalmente muito valorizada enquanto objeto sexual. No entanto, é a fase da vida onde as pesquisas apontam que ela está menos inculcada e mais ciente do próprio corpo e, como conseqüência, despojada para o prazer sexual. Diferente da mulher, além das características secundárias, o homem não passa por estágios bem demarcados que fortaleçam suas referências de gênero. Ao ingressar na vida sexual, estará, para sempre, sob o espectro da impotência sexual, flagelo que culmina na andropausa. Portanto, a masculinidade se constitui numa construção, não definitiva, mas, inacabada e, por vezes, insustentável.
No entender de Hegel (apud LIPOVETSKY, 2000) a subjetividade masculina se constrói no conflito inter-humano tendo em vista o reconhecimento e o prestígio.(p.305). Diria que o homem é, essencialmente, um ser em “falta”, inseguro, e por isto mesmo ele trai para se certificar da sua macheza, além do que separa sexo de afeto, e é livre para trair, pois as sociedades, devido a sua dupla moral, o autoriza. Baudrillard (2001) considera que o masculino sempre foi apenas residual, uma formação secundária e frágil que é preciso defender à força de supressões, de instituições e de artifícios.(p.21). Para assegurar a masculinidade, povos primitivos, a exemplo dos Sambia da Nova Guiné, submetem os adolescentes a ritos de passagem de extrema violência. Saturam seus limites físicos e os torturam para eliminar os fluidos femininos. Os fazem absorver o líquido masculino (esperma), para se tornarem machos (BADINTER, 1993), de forma bastante agressiva para provocar repulsa ao mesmo sexo.
O jovem urbano não passa por esses rituais, mas, não deixa de ser submetido a coerções diretas e as violências simbólicas no apartheid da identificação. Desde pequenos os meninos são obrigados a abandonar, sob pena de serem discriminados, toda e qualquer atitude que faça lembrar o feminino. Isto é, que não afirme ou confirme sua condição de macho. Brincar de boneca, nem pensar! Para o senso comum é a condição sine qua non, para a homossexualidade, ou seja, determinante. Esta, também é uma construção e não decorre, apenas, de atos isolados, mas, da conjunção de aspectos da dinâmica familiar e cultural, mas nunca de fatores restritamente biológicos. O preconceito, de tão arraigado, faz com que, o uso de brinco e cabelo comprido, pelos homens, embora freqüentes nos nossos dias, ainda se lance “olhares meio atravessados” sobre sua masculinidade.
Lipovetsky (2000) entende que o feminino permanece fortemente orientado para o relacional, o psicológico, o íntimo, as preocupações afetivas, domésticas e estéticas; o masculino, para a “instrumentalidade”, o tecnocientífico, mas também para a violência e o poder.(p.303). Na realidade, a masculinidade é uma couraça, homem não pode ser suave, não pode amolecer, tem que ser “pele grossa” – indivíduos de estrutura narcísica que se tornam insensíveis a sentimentos mais profundos.(ROSENFELD apud BRITTON, 2003). Sensibilidade é tida como coisa de mulher e de homossexual, entrar em contato com o seu sensível é arriscar a desmontar-se enquanto macho, perder esse poder. Um medo, na verdade infundado, de que venha a se efeminar.
Em relação à parceira, Schopenhauer (1860-2004) diz que o amor do homem diminui sensivelmente a partir do momento em que obteve satisfação; quase qualquer outra mulher o excita mais do que aquela que já possui: ele anseia pela variedade.(p.22). No que é corroborado, de maneira machista e vulgar por Cushnir (2004) quando diz: é claro que um homem que está sempre com a mesma mulher olhará para outras e as achará mais interessantes. Se ele não tiver uma mulher que insufle aquele relacionamento o tempo todo, a tendência será “sair à caça”.(p.91). A mulher tem que produzir manobras, se transformar em mil personagens eróticos para não ser traída. Um objeto sexual em metamorfose para agradar, estimular e capturar o apetite do macho. As revistas populares femininas estão sempre repletas de “novas” e picantes sugestões para esse fim. O pior é que ela se submete e, geralmente, se libera mais na fantasia de prostituta - esta que pode ter o gozo pleno do “pecado” sem culpa -, crer que assim “abafa”, e ainda sela algum pacto de fidelidade do parceiro.
Enquanto isso o que os homens, ou melhor, os machos fazem? Continuam traindo, e “justificam suas traições por meios de uma suposta essência ou instinto masculino” (GOLDENBERG, 2004:91). Quando se tem sentimento, o desejo vem de dentro e tudo o mais é irrelevante. A inclusão de apetrechos, jogos, encenações, vídeos pornográficos ou um terceiro elemento, é porque o casal não tem ou perdeu o élan da relação. Agora, nada mais resta do que um amontoado de corpos, sem almas, tentando fabricar sensações. A união de duas pessoas desejosas é um universo particular de infinitas possibilidades, ou seja, se bastam na privacidade para se deliciarem da fluidez desse encontro.
No meu pensar, o homem trai, basicamente, em decorrência destes fatores: a) da insegurança advinda do fato de que a masculinidade é uma construção; b) do medo de se entregar aos afetos - que chamo afetos de intimidade: amor, paixão; c) da dificuldade de lidar com as ansiedades e frustrações que são intrínsecas ao afetivo-sexual; d) da cultura machista que, direta ou diretamente, o incentiva a partir de uma pretensa hiperpotência libidinal. Assim, quanto mais machista a sociedade, mais acentuados serão estes fatores. A fragilidade do masculino o faz necessitar do contato com outros homens, seu grupo de pares. Ficar junto à mulher (es) por muito tempo, de tão absorvente que é o feminino, o faz temer de que possa abrandar a “nitidez” do seu ser masculino. Por desconhecer esse traço a mulher encasqueta caraminholas, quando o parceiro a pretere pela mesa de bar e “pelada” com amigos, etc. “Às vezes, ser homem parece quase impossível e, para isso, é preciso apoio emocional de outros homens” (BIDDULPH, 2003:21). Ao invés de apoio emocional que significa “compartilhar sentimentos”, o que não é o caso, me parece mais adequado se referir a apoio presencial.
O lúdico do feminino, desde tenra idade, é um leque de sentimentos e emoções, quase um treino para a futura doméstica, esposa e mãe. Enquanto o menino, por causa da homofobia, desde cedo é tratado com rudeza, e suas brincadeiras são voltadas para exploração dos espaços e dinamizadas na agressividade e competição. À mulher é permitido se descabelar, ficar histérica, ao homem é vetado “ouvir” e se guiar pelo coração. Para ser macho, o homem tem que resolver tudo sozinho, agüentar a dor em silêncio para não ser tachado de frouxo. Bourdieu (2002) afirma que o privilégio masculino é também uma cilada e encontra sua contrapartida na tensão e contensão permanente, levadas por vezes ao absurdo, que impõe a todo homem o dever de afirmar, em toda e qualquer circunstância, sua virilidade.(p.75).
Em razão disto, como dizem Cuschnir e Mardegan Jr. (2001) é que a máscara permite que o homem tenha diversas experiências na vida, porque ela poderá deixá-lo menos vulnerável internamente em determinadas situações, funcionando como uma espécie de “amortecedor”.(p.221). Por tudo isto, não é um contra-senso criticar o homem por não ter sensibilidade? Enfim, de tanto negar as emoções não é à toa que infartam mais que as mulheres. Isto é, nem sempre a máscara consegue atenuar o impacto da pressão para ser macho. Ao homem cabe somente liberar ou expressar emoções agressivas, potencialmente destrutivas, aí entra os excessos, a exemplo da bebida e das extravagâncias sexuais para se deleitar em comentários, mais tarde, junto aos parceiros. Segundo Biddulph (2002), os hormônios não servem de desculpa para a agressividade.(p.47). Logo, as ações que caracterizam os machões revelam cidadãos “nitroglicerinados”, e os policiais idem - quando excedem -, dando pancadas em estádios, etc. Stekel (1968) ressalta que os sujeitos “puxadores de briga” são, em geral, homossexuais que querem demonstrar a si mesmos a sua masculinidade e que, ao mesmo tempo, procuram a oportunidade de ter contato físico com homens.(p.192). A sua ausência de treino para aceitar limites superlota cemitérios e presídios. Porque, afinal, ser macho é não levar desaforo pra casa!
Mesmo assim, é o macho o ser social que mais têm direitos e reivindica vantagens, quando não na legalidade, os engendra na clandestinidade, de modo que não frustre suas vontades. Todo poder do homem, e do seu domínio sobre a mulher, por certo não advém da sua inteligência, mas do físico mais forte e da supervalorização social do pênis. Muraro (2002) entende que a masculinidade é definida como atividade; a atividade narcísica do pênis.(p.141). Deste modo, o atribuído poder de penetrador e de superioridade por cima da mulher, na relação sexual, generalizou e garantiu seu gozo fálico em todas as sociedades heterossexistas. Para Bourdieu (1998), a dominação masculina se dá na assimetria entre homens e mulheres, instituída na construção social. O ato sexual é pensado em função desse primado que se inscreve na série de oposições mítico-rituais: alto/baixo, em cima/em baixo, etc. (BOURDIEU, 2002).
O homem civilizado rejeita sua parte animal, no entanto, para legitimar sua promiscuidade e adultério, usa sem ressalva exemplos poligâmicos da fauna. Mas, “esquece” de uma variedade de espécies exclusivamente monogâmicas. Há registros de Darwin sobre cobras machas que perdem algum tempo com as fêmeas mortas antes de prosseguirem em busca das parceiras vivas (WRIGHT, 2006). Trair não é natural, somente pode haver traição quando, de forma direta ou não, se tenha algum compromisso ou investimento afetivo, relacional. Assim, pode-se dizer que os animais não traem. Mesmo acasalados, cruzam com todos que forem possíveis de encontrar no seu caminho. Não tem consciência de opção pela parceria, esta se dá pela oportunidade de aceso, e, no geral, em obediência ao ciclo reprodutor ou cio. Obviamente, não consideram uma série de itens subjetivos e preferenciais na escolha da parceira (o) como faz o bicho homem.
As pessoas assumem compromisso trabalhista, parceria comercial, e tentam cumprir essa promessa. Assim sendo, aceitam pagar multa quando quebram, por vontade própria ou por motivo de “força maior”, esse contrato. Porém, quando se trata do contrato afetivo (informal ou legalizado: casamento) não tem o menor pudor, geralmente não se preocupam de machucar o outro. A perda afetiva, da parte que não desejava a separação, raramente é “ressarcida”, nem que seja com um mínimo de consideração. Nenhum envolvimento com uma nova pessoa justifica que não se possa ter um cuidado com o outro preterido ou que está sendo “largado”. Geralmente os parceiros são desrespeitosos, cruéis e raivosos nos “términos” (aspado porque nem sempre termina quando separa) dos relacionamentos. O que é, no mínimo, pouco saudável, principalmente quando se tem filho (s).
No geral, o macho se enrosca com as perdas dos vínculos afetivos, age de maneira extremista, nega essa dor ou quer destruir a fonte do seu desprazer. O “ponto final” da mulher, nunca é visto como um “chega” aos seus abusos, mas, da suposta traição da mesma em andamento. Por centrar-se no sexual, ele fantasia no seu “lugar” um sujeito provedor dos mais intensos orgasmos. Não reflete suas atitudes, e ainda se auto-revela inseguro do desempenho sexual. As músicas com as quais o macho dá evasão a esse drama, a chamada “fossa”, etc., às vezes, sugere mais um estranho louvor ao dito Ricardão, do que o lamento pela perda real ou potencial daquela que, de repente, ressurge como “amada”. Isto parece confirmar o que diz Gambaroff (1991), em um sistema de casais heterossexuais, a homossexualidade latente de um pode impelir o outro a um relacionamento com um terceiro.(p.40). Será que esse homem, em nível inconsciente, não negligencia a mulher para ter, por meio dessa paranóia o outro (imaginado) através dela? Em alguns casos, em relação à mulher, pode até ser, mas a maioria dos homens as trai, mesmo, é por insegurança e abuso de poder.
Um adulto jovem me procurou para fazer psicoterapia, sua mulher o havia traído com seu melhor “amigo”. Em quase todas as seções tecia em detalhes uma nova e bem arquitetada trama de como eliminar a esposa. As mesmas consistiam de simulações de acidentes, cortar-lhe os mamilos com alicate, a injetar-lhe sangue com aids. O mais bizarro nessa dupla traição, e que ele nunca manifestou para o “amigo” a sua decepção, o tratava como se nada tivesse acorrido. Enfim, enquanto esteve comigo não concretizou suas intenções macabras, nem soube nada ao seu respeito no noticiário.
O macho tem dificuldades de repensar sua postura e, na maioria das vezes, degringola a parceira. Cuschnir e Mardegan Jr. (2001), chamam a atenção para o fato de que o homem nota que há aspectos da relação que precisam ser renovados, mas não sabe tomar a iniciativa. Falta a ele uma certa flexibilidade para compreender a companheira. (p. 169). Por certo, se alguém não cumpriu a contento o seu papel, não foi esse camarada “completo por natureza” e agraciado pela cultura. E sim, a mulher, o “oceano negro” a quem Freud atribuiu, ou se interroga sobre “o que ela quer?”. Entretanto, é esse ser freudiano indecifrável que nos últimos tempos reivindica direito, se qualifica e galga, cada vez mais, espaços de trabalho. Está se descolando do subjugo do macho, quebrando as amarras que a mantinha “cativa”. Lipovetsky (2000), diz que doravante livres, as mulheres são mais acessíveis como parceiras sexuais, mas, ao mesmo tempo, mais intimidantes, mais ameaçadoras para o homem. Muitos homens não compreendem mais o que as mulheres esperam deles.(p.58).
Do mesmo modo a pós-mulher, a exemplo de M. Dowd, colunista do New York Times, que afirma ser muito difícil para as mulheres decifrar o que os homens querem com elas. (Veja Especial, 2006). O homem parece bem mais complicado na seleção da parceira, um simples detalhe que não goste na mulher pode levá-lo a se desinteressar por ela. Talvez pelo fato de ser mais visual, qualquer item pesa na composição do seu desejo como um todo, e também pela grande disponibilidade do sexo oposto. A mulher mesmo que considere uma característica desfavorável num pretendente, parece tolerar mais, não se deixar eclipsar por ele. Consegue ir adiante e identificar algo positivo que se contraponha, de forma que não esvazia, pelo menos num primeiro momento, seu interesse pelo indivíduo. As mulheres são “escravas” do estético, e “se transformam naquilo que são na mente dos homens”(NIETZSCHE, 1900-2000). Todavia, não tão leais a esse senhor, o belo não lhes seriam, em tese, tão fundamental, mas a segurança seja material ou emocional dos parceiros. Para Lipovetsky (2000), mais que as mulheres, os homens esperam encontrar a beleza na sua parceira, conferem mais importância às qualidades estéticas, e isso em qualquer idade.(p.191).
Na concepção do macho a mulher se enquadra em apenas dois tipos: a) para casar: “direita”, de preferência virgem, assexuada, um clone da sua santa mãezinha para o domínio do lar e geração de prole; b) para o sexo: da rua (nem sempre profissional do sexo) que, se for “boa de cama” e prometer exclusividade, poderá ser um devir da outra, “filial” na sua vida. Para Wright (2006), o fato é que muitos homens ainda falam abertamente de “vagabundas” e de sua utilidade normal: ótimas para a gente se divertir, mas não para casar. E há mesmo homens (culto e liberais) que nem sonhariam dizer tal coisa, mas na realidade agem como os demais - grifos do autor.(p.13). Amantes e profissionais do sexo, talvez para atenuar sua condição desviante e inocentar os parceiros/clientes. Tentam convencer que os mesmos as procuram porque se ressentem da escuta, e elas acusam suas mulheres dessa indiferença. Uma espécie de “psicólogas” de alcova, papel pelo qual se envaidecem por considerar que desempenham muito bem. Porém, Goldenberg (1997) diz que a relação extraconjugal não significa absolutamente que existe uma falta no casamento. É uma presunção enorme das amantes achar uma falta para elas existirem - grifo nosso. (p.107).
Comumente, macho nenhum expõe seus reais sentimentos para mulher alguma, ou, talvez, para ninguém, pelo menos pelas vias diretas. Portanto, ele apenas diz aquilo que lhe interessa ou através do qual tire proveito. Uma vez que, na sua cabeça “abrir-se” pode ser traduzido como fraqueza. Mas tem mulher que, diferente da vontade de um diálogo espontâneo e troca de idéias, pretende se apossar da cartografia mental do outro. Por insegurança ou por desejo de domínio e manipulação, irrita o companheiro, quer saber tudo, em minúcias, o que ele sente por ela e/ou o que pensa a seu respeito. Uma necessidade meio compulsiva de ouvir constantes feedbacks sobre esse amor que lhe dedica o parceiro.
Feito “saco sem fundo”, é raro que ela fique satisfeita, a saída do homem é, num tom “insuspeito” de qualquer incongruência, lançar a clássica frase: “Se não gostasse ou não te amasse não estaria com você!”. Enfim, resta distinguir se isso faz parte da habitual dificuldade masculina para falar dos afetos ou se é pura embromação. Mas, declarar-se meio reticente ou pouco afirmativo, é natural que gere algum nível de insegurança. Do contrário, a mulher não precisa de um amante, mas de um “pai” para lhe acalentar. Estratégicas, muitas mulheres são só usam a gravidez, mas também, maternam seus parceiros como se filhos fossem, na esperança de que, assim, os mesmos não tenham “olhos” para outra(s).
A presença física do macho, para ele mesmo, já é o suficiente, uma vez que se julga objeto de cobiça, assim a mulher que estiver com ele é a “privilegiada”. Portanto, tem que lhe render reverências. Por vezes, ele cria situações para que seja ou pareça ser disputado. Todavia, para a mulher a presença, por si só, não quer dizer muito, tem que falar, comungar intimidades. Parece pouco confiante na própria avaliação que faz do sentimento do outro. Onde está o seu tal sexto sentido? Um sujeito sem escrúpulo pode aproveita-se dessa carência. Como diz Biddulph (2003), alguns homens têm um desejo patológico de ferir e dominar.(p.63). O homem, mais “econômico”, direto, se certifica do amor que lhe cabe e fica tranqüilo. Por vezes, tenho que chamar a atenção das pacientes para as expressões sutis ou não verbais de bem querer dos seus parceiros.
No macho, em termos de sexualidade, “nada pega”, do contrário, como já foi visto, o enaltece. A moral sexual manifesta-se segundo um duplo padrão social: indulgência com as extravagâncias masculinas, e um olhar muito severo quando diz respeito às mulheres. (LIPOVETSKY, 2000, BOZON, 2004). Isto é reforçado por Wright (2006), quando afirma que os homens foram desenhados, por um lado, para serem sexualmente livres, mas, por outro, para relegar a uma posição moral inferior as mulheres sexualmente livres “prostitutas”- grifo do autor.(p.124). É notável a facilidade com a qual a mulher é rotulada de vadia, etc., nem precisa que ela seja devassa igual ao homem, ou que se envolva por dinheiro, mas que se aproxime do estilo sexual de ser o masculino. Beauvoir (s/d) diz que ninguém é mais arrogante em relação às mulheres, mais agressivo ou desdenhoso do que o homem que duvida de sua virilidade.(p.19).
A conduta opositora de “dama na sociedade” e “puta na cama” é uma danosa deturpação que inscreve o sexo casto no domínio do privado, e a livre expressão da sexualidade no domínio público promíscuo e/ou pago. Segundo Wright (idem) em sua forma extrema, patológica - o complexo santa-prostituta -, a dicotomização da mulher deixa o homem incapaz de fazer sexo com a esposa, de tão santa ela lhe parece - grifo do autor. (p.55). O homem é a medida de todas as coisas, dizem isto às mulheres desde a época áurea da Grécia (FRIEDMAN, 2002). Porém, não há a inveja do órgão masculino que Freud quis impor, “mas, das oportunidades, das conquistas, do que foi dificultado ou impedido às mulheres”(MONTEIRO, 1998).
Enfim, a dupla moral social permite que o homem se aproprie da “puta” e da “santa”(NUNES, 2000). Daí o dilema das moças que, se por um lado “mostrarem-se recatadas”, podem não agradar; por outro lado, se “desinibirem-se”, poderão ser julgadas ou “usadas”, e nunca mais procuradas. Acredito que, nesse caso, a maior ressonância do preconceito é o que vem da mulher. Há uma tendência do parceiro a desqualificá-la ou a valorizá-la em conseqüência da sua maneira de encarar a própria sexualidade. Cabe ressaltar que respeito não é sinônimo de repressão, restrição ou “trava” na expressão do desejo sexual. Como diz M. Yourcenar: casto, é todo prazer sentido com gosto. Devido ao conceito judaico-cristão de sexo não reprodutivo como pecado, parece difícil, principalmente, para mulher se desvencilhar do tributo da culpa. Sempre tem, nem que seja um “filete”, esta suposta maldição, mesmo nas que se consideram liberais.
Posadas (2001) diz, mas não vamos pensar que as mulheres são sempre umas pobres vítimas, umas bonequinhas entreguem de corpo e alma ao homem que se apossou de seu coração.(p.83). No entanto, não tem como negar que as cobranças sobre as mulheres, de tão gritantes beiram à perversidade, ceifam sua autonomia e lhes conferem “donos”: pai, irmão, marido. Muitas aceitam essa “coleira” de castração. O que se deduz que haja um ganho, pelo menos, secundário. Certamente a ilusão de que assim são amadas e estão protegidas. O quase sempre sábio Freud (1917-1989) diz que “a repressão sexual sobre a mulher teria como meta fixá-la a um único homem, para garantir o sucesso do casamento através da sua monogamia”. Talvez, o fato de considerar as emoções, sexo e amor integrados, não sejam tão inatos assim, mas produto dessa dominação. Somente na certeza do amor do parceiro é que ela, de fato, se libera das rédeas castas, e o sexo termina sendo uma extensão da expressão do seu amor. Desse modo, mesmo que enverede pelo sexo libertino, pelo menos de início, não será tão simples desprezar essa ordem.
Pelo exposto é possível considerar que, nenhuma mulher, por mais “completa” que seja: bonita, corpo escultural, personalidade integra, esteja isenta da traição. Porque a traição, não decorre das suas faltas ou falhas. Mas da aprovação e incentivo da cultura a uma sexualidade irresponsável, promíscua para o homem, que julga, assim, honrar sua condição de macho. Para Muraro (2002), o corpo do homem é fragmentado. Por causa dessa divisão não se joga inteiro em nada (passim). Quando o homem ama, seu amor não exclui a infidelidade. Deve-se lembrar que a paixão, apesar de fugaz, ela é mais intensa que o amor. A fissura no homem o permite transitar no prazer sexual sem culpa. Embora seja isso corrente, não obstante, é um exagero atestar que ele nunca esteja inteiro. O que seria desconhecer sua aptidão para se apaixonar por uma pessoa, um projeto.
Segundo Derrida (2004), a paixão amorosa é, pois, a perversão da piedade natural. Diferentemente desta, ela limita nosso apego a um único ser. (p.214). Todavia, quando o homem se apaixona ou se torna dependente sexual, perde quase toda racionalidade, deixa de enxergar o óbvio. A mulher na mesma situação se mantém questionadora e maliciosa, embora, nem sempre, tenha mais condição de tomar decisões. O macho compulsório sexual não se preocupa em gerar filho(s), ignora prováveis sentimentos da parceira, e, quando se trata do eventual, pode até esquecê-la, antes que ela se recomponha. Para o macho, o contrário é verdadeiro, pois detesta ser usado, e é sensível para perceber-se na posição de objeto sexual, até porque essa é a sua praxe para com o (s) outro (s).
Ninguém completa ninguém, mas a mulher parece persistir nessa onipotência para com o parceiro. Justo ele que traz consigo o germe da falta, da divisão e o aval social para o adultério!? Quando o homem trai, o que é complicado para a mulher entender, isso não significa, necessariamente, que ele deixou de gostar ou de amar a parceira. No entanto, nem por isso o masculino deve fazer uso dessa condição. A traição causa sofrimento, um homem sensato, humano não vai magoar a parceira à toa, não tem ou domina a tal necessidade de auto-afirmação. O homem, em particular o latino machista, quer tudo ao mesmo tempo, tanto a segurança de casado quanto à liberdade “nômade” de solteiro. O mais contrastante é que jamais cogita para parceira tais expedientes.
Com pertinência Bauman (2005a), diz que o desejo de amar e ser amado só pode se realizar na genuína disposição a comprometer a própria liberdade, caso necessário, para que a liberdade da pessoa amada não seja violada.(p.69). Ou seja, qualquer forma de casamento não combina com gandaia, de algum modo tem que se abdicar, está bem consigo para não ansiar por essa “liberdade”. A mulher tende a ser irrestrita na entrega. Assim, quando se descobre traída, se sente rebaixada na sua auto-estima como a última das criaturas. As adúlteras que até então atendi, tendo ou não sido traídas, todas, de alguma maneira se sentiam “putas”. Como se esperassem ser condenadas, logo ficavam surpresas quando lhes perguntava o preço que haviam cobrado por programa. Assim, parecia se sentirem compreendidas de que seu delito não era o dos piores crimes. O remorso vivenciado era prova de que seu feito (adulterar) não fora banal. E a culpa, mesmo depois de algum tempo, “insistia” em permanecer, por vezes, sutilmente camuflada.
Goldenberg (2004) diz que a mulher, mesmo quando trai, continua se percebendo como uma vítima, que no máximo reage à dominação masculina.(p.92). Minhas pacientes se apaixonaram ou forjaram a paixão, como meio para justificar a traição e encorajá-las a trair. Sendo ou não uma vontade latente, nestes casos, a traição consistiu numa vingança para resgatar a estima. Mesmo se dizendo apaixonadas, nenhuma, até onde as acompanhei, deixou o marido. Porém, quando a mulher se apaixona, de fato, pelo sonhado “homem da sua vida” e é correspondida, muda de figura. Daí, a traição feminina tender a ser mais arriscada, uma vez que, mais do que irresponsabilidade, atua a fusão sexo/paixão que para mulher, em geral, é difícil separar. Estes casos são mais raros de vir ao psicólogo (a), pois, os amantes logo embarcam na perspectiva deste “achado”.
Mas, partindo da premissa de que “todos os homens são iguais, e que mudam apenas de endereço”, então o que leva as mulheres se chocarem tanto com a traição dos parceiros? Às vezes, mesmo de posse de um histórico pouco confiável deles com as exs, o que as faz pensar que com elas seria diferente? Talvez uma “predisposição” romântica que superestima seu amor com poderes mágicos de transformação. Reminiscências do complexo de Cinderela, que a fazem imaginar em todo homem que desponta na sua vida o provável príncipe encantado. Não aceitam que, na maioria das vezes, não tem jeito, sapo é sapo mesmo, apesar de “milhões de beijos”.
Para Lipovetsky (2000), apesar de exaltar a igualdade e liberdade dos amantes, o amor não deixa de ser um dispositivo que se edificou socialmente a partir da desigualdade estrutural dos lugares dos homens e das mulheres. (p.21). Ou seja, mesmo com profissão definida e independência econômica, muita mulher mantém o desejo secreto de proteção, “a menina assustada” sob a capa da auto-suficiência e que por isso acata, de uma forma ou de outra, o domínio do macho. Para Nietzsche(1900-2004), através da idealização do amor, elas aumentam seu poder e se apresentam mais desejáveis aos olhos dos homens. Mais iludidas que os homens, por isso sofrem mais com a desilusão que quase, inevitavelmente, ocorre em sua vida. Nesta ótica, Bozon (2004), diz que sobre as razões que levam a ter relação sexual, os rapazes de 15 a 18 anos declaram desejo, atração ou curiosidade, enquanto as moças, em qualquer idade, indicam amor e carinho, e se declaram muito apaixonadas por seus parceiros. “Elas continuam maciçamente a sonhar com o grande amor, ainda que fora do casamento”(LIPOVETSKY, 2000:28).
Atualmente, me parece que muitas mulheres não estão mais tão românticas e passivas assim, aprenderam um pouco com os homens a ser “pele grossa”, e, com a “carta de alforria” da sexualidade, também tomam iniciativa e usam os homens como meros objetos sexuais. Para Acton (apud WRIGHT, 2006), a maioria das mulheres (felizmente para elas) não é muito perturbada por desejos sexuais de qualquer tipo. O desejo acha-se em estado latente, e mesmo quando despertado (o que em muitos casos jamais acontece) é muito moderado em comparação ao do homem - grifos do autor.(p.13). Não é por santidade que o desejo sexual da mulher não seja explícito, isto é resultado da repressão. Porém, muitas já se libertaram, ou não absorveram, por completo, o confisco da sua razão e sexualidade. Assim, quando no anonimato, isentas do julgamento do entorno, não se comportam nada pudicas, mas com a mesma voracidade e senso oportunista dos homens.
A favor da dominação masculina, se forjou os mitos da mulher frágil e de seu apetite sexual brando. Segundo Bauman (2006), para que um domínio se sustente, é preciso tornar, e manter, vulneráveis, inseguros e amedrontados os objetos humanos.(p.86). A fêmea tem o mesmo desejo sexual que o macho, mas de acordo com o que se convencionou de decência e de familiar. Ela aprendeu a disfarçar e reprimir desde os primórdios. Até por que seu gênero dificilmente é motivo de orgulho. Nenhum pai mostra a vagina da menina, não obstante faz questão de exibir, como um troféu, o “pintinho” do menino. Por exemplo, a atriz Isabel Fillardis disse sobre o filho: Ele é lindo, todo grande. Até as partes mais íntimas. Vai ser a alegria da mulherada. (Época, 2004:14). Com apenas 11 meses o bebê já recebeu o “carimbo” da divisão e o aval para a traição e supervalorização do pênis, no caso, grande, como objeto da alegria destinada, não a uma mulher - o que seria demais toda essa exuberância -, mas a várias, o genital “socializado”. Friedman (2002), salienta que o pênis é muito mais do que uma parte do corpo. É uma idéia e um símbolo, um sinal tão poderoso que é, ele próprio, simbolizado por outras coisas. (p.139).
Na verdade, as mulheres são forçadas a vestirem o véu do falso pudor. Ninguém é perfeito quando se trata de gente, isto é relativo ou sem sentido, nem completa totalmente o outro. A maturidade consiste em aceitar as qualidades e defeitos do parceiro (a), na medida em que juntos crescem nas diferenças e similaridades. O macho alfa quer a mulher liberada, mas receia por associá-la à promíscua, incapaz de suportar a frustração sexual, portanto, receptiva à sedução de qualquer homem. Na realidade, devido a sua prepotência ele teme ser comparado e a mulher experiente é mais apta para isso, enquanto que, uma outra mantém seu status quo. O conflito na relação, que em tese, pode impulsionar o crescimento, a mulher parece suportar melhor essa angustia, mas para o macho isto é trabalhoso, e, uma vez que lhe é permitido pelo social, descamba no mais fácil: no sexo, na conquista de nova (s) parceira(s).
É um equívoco achar que o macho é displicente para ocultar vestígios da sua traição, e, por isso, acaba por se autodenunciar. Embora, o proibido para os imaturos tenha lá o seu fascínio, na verdade o macho quer mais é que o mundo e a parceira (“matriz”) saibam. Não devido à “febre” de uma louca paixão, mas, porque a partir dessa revelação não é mais preciso usar de artifícios para se esconder. Levando-se em conta que: primeiro, ele é todo cheio de direito; depois, a monogamia é uma terrível imposição ao homem imaturo (o que não tem a ver com idade) e, por último, nesse imaginário se “embriaga” com idéia poligâmica, o sonho do harém.
No campo da biologia, Houzel (2005), diz que o rapaz é por natureza polígamo, dono de raros receptores para vasopressina V1aR no sistema de recompensa, que é muito maior em espécie monógamas. O que levam, Burnhan e Phelan (2002) a afirmarem que, qualquer que seja sua escolha relativa à fidelidade na vida real, o organismo humano foi projetado para a infidelidade.(p.167). Dawkins (1989) salienta que algumas sociedades humanas são promíscuas e outras têm haréns por base. O que esta surpreendente variedade sugere é que o modo de vida do homem é, em grande parte, determinado pela cultura, e não pelos genes.(p.261). Nesse sentido, Wright (2006:195) diz que a influência cultural pode ser tão inconsciente quanto à influência genética. O que não constitui surpresa, dada a profundidade com que as duas se entrelaçam.
Como já foi dito, a traição machuca, sendo desrespeitosa para qualquer dos gêneros que a pratique. Porém, em termos quantitativos o macho não seria o ente mais apropriado para o adultério e o harém. O homem depende da ereção e sua potencia sexual não se assemelha a do cavalo reprodutor, daí a contradição! Então por que esse mito de garanhão? Para Schopenhauer (apud YALOM, 2005) é contra a natureza da mulher limitar-se a um só homem no curto período de seu florescer.(p.181). Em termos da sua fisiologia, a mulher é quem tem mais condição de atender a uma demanda maior de parceiro. Primeiro, porque ela leva mais tempo para se excitar e, depois, porque a sua sexualidade não precisa, necessariamente, do intumescimento de nenhum órgão sexual, a exemplo da ereção do pênis. Este, considerado “o órgão mais honesto do corpo do homem”(FRIEDMAN, 2002:266). Isto, certamente, se dava no passado, uma vez que agora pode ocorrer à ereção postiça por obra dos vasodilatores.
Para o macho, ter várias mulheres pode lhe servir como escudo para sua dependência afetiva, o que vem a calhar com a fissura que o resguarda da ameaça de partilhar seu interior. Isto é, está com todas, mas não se entrega a ninguém. Para Simmel, a sexualidade masculina é centrífuga, a partir desta perspicácia Goldenberg (2004), diz que os homens teriam relações sexuais com mais parceiras porque não se relacionam com uma única mulher, mas com a mulher em geral.(p.59). Somente haveria constrangimento para o homem adúltero se o mesmo fosse submetido aos crivos proibitivos da moral que rege a sexualidade feminina. No entender de Pasini (2006) e Wright (2006), a traição masculina é mais aceita, e a feminina ainda é um tabu, porém, com tantas conquistas das mulheres isso não faz mais sentido, e os homens estão cada vez mais ciumentos. O ciúme deles se centra na infidelidade sexual, e o delas na infidelidade emocional. Em minha opinião, devido a sua atual independência, as mulheres estão se autorizando à infidelidade, já não se permitem padecer na carência afetiva/sexual, ou na cumplicidade mantenedora de relacionamentos “mortos”.
Algumas mulheres para comprovar seu amor, entregam o que considero “chicote ou forca”, deixa explicito ou subentendido para o parceiro sua aguerrida fidelidade canina, e a disposição de restringir a sua liberdade pela relação. Nessa jura de amor incondicional, os elegem como absolutos, e os colocam no “palco” da sua existência sob os “holofotes” de suas emoções e dedicação exclusivas. Porém, é preciso respeito pelo humano (homem ou mulher) para não abusar desse lugar em que foi colocado, ou melhor, pinçado do anonimato para ser “celebridade” na vida do outro. Se isto pode fazer a mulher arrogada, ao macho muito mais, porque além de se achar o máximo, foge das emoções e da intimidade (muito mais do que corpos nus na cama). É preciso um mínimo de estrutura emocional e moral para suportar-se nesse centro, ser a “figura” sem bagunçar o “coreto” do outro ou deixá-lo como “fundo”. Os machos são mais prudentes ou são mais omissos, não se comprometem, quase nunca deixam claro que essa mulher é única ou é a razão da sua vida. Saem pela tangente, ou quando fazem, não é raro que seja com objetivo de sedução.
Embora as mulheres exijam mais provas de amor, no entanto, tendem mais a perdoarem as estripulias dos parceiros. Como diz Wright (2006) as mulheres, aceitam viver com o companheiro que as traiu com maior facilidade que os homens.(p.121). Algumas mulheres parecem tolerar mais a “divisão” do parceiro com uma outra, do que com a própria família deste. Na arena das disputas e implicâncias entre sogra e nora, há algo de insano de ambas as partes que se fecha para negociar seu “objeto”: filho/marido, etc. A ciência parece ignorar esta questão, enquanto a cultura apimenta como folcloricamente natural. Alguns homens e, principalmente, algumas mulheres chegam a ser odiosos com as sogras, pelos menos eles dão a essa perseguição “canibal”, que também é recíproca, nuanças de humor.
Os homens têm dificuldade de conviver com o saber de que foram traídos. Para o macho trair é banal, e até reconfortante, podem até sentir culpa, mas é devido ao medo de abrir precedente. Mas quando traído, sua imagem é comprometida, pois o “olhar” público o tem como desmoralizado, e sob a suspeita da incompetente sexual, e assim, passa a ser, o que é bastante desumano, motivo de chacota. O homem também não tem nenhuma garantia de que não venha a ser traído, apenas a probabilidade de que isso não ocorre com tanta freqüência. Uma vez que a providencial máquina da opressão, que transpassa os séculos, cuida de manter as “rédeas curtas” no feminino.
Na minha visão, é tão falso dizer que o homem é forte, quanto afirmar que a mulher é frágil. Na realidade, frágil é o homem, não um frágil simplório, mas paradoxal. Talvez, devido a essa fragilidade, tenha usado seus recursos naturais e criado mecanismos sociais e culturais para sua dominação. Cuschnir e Mardegan Jr. (2001), dizem que o novo homem deve aprender a retomar as máscaras que ele usou e passar a usá-las apenas para proteger sua alma. Esta é a finalidade da revolução silenciosa: novas máscaras para a alma masculina.(pp.213-214). Esta conclusiva é um absurdo, simplesmente ridícula. Então, o homem não pode viver sem máscara? Que revolução é essa em que o sujeito continua mascarado? A mudança efetiva emergirá quando o homem se desprender das mentiras que o trancafia no seu próprio corpo, bem como se despir das exigências que fazem dele uma fortaleza virtual.
Para Muraro (2002), só os poetas, os místicos - aqueles que integram mente e corpo -, dentre os homens são os que têm aceso à mulher.(p.194). Outra bobagem, a posição social da mulher não tem a ver com sensibilidade, é uma questão estrutural ligada aos direitos. Prova disso é que, de posse do poder as mulheres atuam com a mesma dureza do masculino. Elas ainda não reagiram para dissipar a polaridade dominador/dominado que, de modo geral, parecem fixadas no modelo que traduz machismo como “força” e “segurança”. Como diz Bourdieu (1998) a educação exerce uma ação psicossomática que leva à dominação masculina.(p.18). Assim, os homens não machistas, por vezes, são preteridos. Já atendi alguns com tremenda inveja dos cafajestes. Diziam que estes são os que fazem sucesso com as mulheres, pois “aprontam”, e elas continuam “loucas” por eles. Portanto, um tipo a ser seguido. Difícil para eles, foi aceitar que tais preferências não consistem em regra. As mulheres independentes, experientes e, realmente, “resolvidas”, são pouco atraídas ou não sentem nenhuma atração por homens machistas e/ou cafajestes.
No entender de Bauman (2005a) em nossa época líquida-moderna, em que o indivíduo livremente flutuante, desimpedido, é o herói popular, “estar fixo” - ser “identificado” de modo inflexível e sem alternativa – é algo cada vez malvisto.(p.35). Por isso, recentemente surgiu nos Estados Unidos, um projeto de contratos de casamento renováveis, a cada dois anos, que atrai o público. Para Savage (apud BAUMAN, 2005b), as relações renováveis podem ser a resposta, para aqueles que se sentem cada vez mais desconfortáveis diante do compromisso social.(p.152). Ainda segundo Bauman (idem), as relações a partir da amizade poderiam transformar-se em nossas tábuas de salvação, e que o “encontro veloz” (uma espécie de esteira de bagagem dos encontros), é apenas um de uma série crescente de estratagemas oferecidos no mercado das “relações humanas”.
Finalmente, o poderio machista nunca deixou de existir “o homem é o futuro do homem e o poder masculino, o horizonte insistente dos tempos democráticos”. (LIPOVETSKY, 2000:305). Embora, os privilégios sexuais masculino não tenham sido totalmente rompidos, mas existem agora abundantes evidências de que não sejam inevitáveis nem imutáveis (WEEKS, 2001). Sem dúvida homens e mulheres são vítimas de um padrão de vida e relacionamentos que precisam de uma revisão drástica (BIDDULPH, 2003). Mas, vale salientar que o machismo é resultante das posturas e necessidades da mulher, que é gerido pela suas atitudes enquanto mãe e professora primária, que fomentam a base da formação psíquica da criança. Na verdade, a mulher termina sendo a maior vítima da sua criação. Ainda embevecidas com as conquistas recém adquiridas, elas também se sustentam no fálico (modelo masculino), o que emperra o avanço da igualdade dos gêneros. Como diz Hugheim (apud SGARBIERI, 2003), as mulheres é que, assumindo o poder e sem deixar de ser mulheres, tornarão o mundo de novo habitável.(p.125). Felizmente, o dínamo criativo das transformações é encubado nas entranhas do feminino de ambos os sexos.
Fonte: www.algosobre.com.br
Discordo, um pouco, deste autor. Os sedutores estão bem vivos, apenas mudaram a composição da metralhadora giratória da sua sedução, o “face a face” com todo seu mise en scène, para o virtual - as atuais práticas do cibersexo levam até o fim essa ilusão: indivíduos sem corpos dialogam sem se ver, representando livremente suas identidades (BOZON, 2004) -, e o estético típico desta era de culto ao físico. Todos querem aparecer sarados na “vitrine das carnes”. A maioria “oca”, por vezes, coloca a própria vida em risco com o uso de anabolizantes, etc. O que difere, agora, é o esforço pelo físico perfeito que não se restringe a chamar apenas a atenção das mulheres, mas, também, para despertar nos outros homens admiração ou inveja como símbolo de imposição da estampa viril.
Narciso ou Don Juan, parece não ter saído da fase inicial da adolescência, carece de confiança na própria masculinidade. Em suma, o homem reage por alguns princípios éticos, e o macho, mais primitivo, pouco lapidado, se orienta pelas vantagens. Isto posto, tudo que neste texto diz respeito ao homem, em relação ao macho é potencializado.
Beauvoir (s/d) entende que a mulher não nasce mulher, mas se torna. Afirmativa sem consistência e estranha vinda de uma mulher, mas que o mundo acadêmico acatou como verdade. Entendo o processo de maturação da mulher como linear e nítido: a menarca, na qual a menina passa a ser moça; a perda do hímen, quando se torna mulher; a maternidade, a plenitude enquanto fêmea e, a menorpausa, quando encerra seu ciclo de fertilidade. Embora, neste último estágio, a mulher não seja culturalmente muito valorizada enquanto objeto sexual. No entanto, é a fase da vida onde as pesquisas apontam que ela está menos inculcada e mais ciente do próprio corpo e, como conseqüência, despojada para o prazer sexual. Diferente da mulher, além das características secundárias, o homem não passa por estágios bem demarcados que fortaleçam suas referências de gênero. Ao ingressar na vida sexual, estará, para sempre, sob o espectro da impotência sexual, flagelo que culmina na andropausa. Portanto, a masculinidade se constitui numa construção, não definitiva, mas, inacabada e, por vezes, insustentável.
No entender de Hegel (apud LIPOVETSKY, 2000) a subjetividade masculina se constrói no conflito inter-humano tendo em vista o reconhecimento e o prestígio.(p.305). Diria que o homem é, essencialmente, um ser em “falta”, inseguro, e por isto mesmo ele trai para se certificar da sua macheza, além do que separa sexo de afeto, e é livre para trair, pois as sociedades, devido a sua dupla moral, o autoriza. Baudrillard (2001) considera que o masculino sempre foi apenas residual, uma formação secundária e frágil que é preciso defender à força de supressões, de instituições e de artifícios.(p.21). Para assegurar a masculinidade, povos primitivos, a exemplo dos Sambia da Nova Guiné, submetem os adolescentes a ritos de passagem de extrema violência. Saturam seus limites físicos e os torturam para eliminar os fluidos femininos. Os fazem absorver o líquido masculino (esperma), para se tornarem machos (BADINTER, 1993), de forma bastante agressiva para provocar repulsa ao mesmo sexo.
O jovem urbano não passa por esses rituais, mas, não deixa de ser submetido a coerções diretas e as violências simbólicas no apartheid da identificação. Desde pequenos os meninos são obrigados a abandonar, sob pena de serem discriminados, toda e qualquer atitude que faça lembrar o feminino. Isto é, que não afirme ou confirme sua condição de macho. Brincar de boneca, nem pensar! Para o senso comum é a condição sine qua non, para a homossexualidade, ou seja, determinante. Esta, também é uma construção e não decorre, apenas, de atos isolados, mas, da conjunção de aspectos da dinâmica familiar e cultural, mas nunca de fatores restritamente biológicos. O preconceito, de tão arraigado, faz com que, o uso de brinco e cabelo comprido, pelos homens, embora freqüentes nos nossos dias, ainda se lance “olhares meio atravessados” sobre sua masculinidade.
Lipovetsky (2000) entende que o feminino permanece fortemente orientado para o relacional, o psicológico, o íntimo, as preocupações afetivas, domésticas e estéticas; o masculino, para a “instrumentalidade”, o tecnocientífico, mas também para a violência e o poder.(p.303). Na realidade, a masculinidade é uma couraça, homem não pode ser suave, não pode amolecer, tem que ser “pele grossa” – indivíduos de estrutura narcísica que se tornam insensíveis a sentimentos mais profundos.(ROSENFELD apud BRITTON, 2003). Sensibilidade é tida como coisa de mulher e de homossexual, entrar em contato com o seu sensível é arriscar a desmontar-se enquanto macho, perder esse poder. Um medo, na verdade infundado, de que venha a se efeminar.
Em relação à parceira, Schopenhauer (1860-2004) diz que o amor do homem diminui sensivelmente a partir do momento em que obteve satisfação; quase qualquer outra mulher o excita mais do que aquela que já possui: ele anseia pela variedade.(p.22). No que é corroborado, de maneira machista e vulgar por Cushnir (2004) quando diz: é claro que um homem que está sempre com a mesma mulher olhará para outras e as achará mais interessantes. Se ele não tiver uma mulher que insufle aquele relacionamento o tempo todo, a tendência será “sair à caça”.(p.91). A mulher tem que produzir manobras, se transformar em mil personagens eróticos para não ser traída. Um objeto sexual em metamorfose para agradar, estimular e capturar o apetite do macho. As revistas populares femininas estão sempre repletas de “novas” e picantes sugestões para esse fim. O pior é que ela se submete e, geralmente, se libera mais na fantasia de prostituta - esta que pode ter o gozo pleno do “pecado” sem culpa -, crer que assim “abafa”, e ainda sela algum pacto de fidelidade do parceiro.
Enquanto isso o que os homens, ou melhor, os machos fazem? Continuam traindo, e “justificam suas traições por meios de uma suposta essência ou instinto masculino” (GOLDENBERG, 2004:91). Quando se tem sentimento, o desejo vem de dentro e tudo o mais é irrelevante. A inclusão de apetrechos, jogos, encenações, vídeos pornográficos ou um terceiro elemento, é porque o casal não tem ou perdeu o élan da relação. Agora, nada mais resta do que um amontoado de corpos, sem almas, tentando fabricar sensações. A união de duas pessoas desejosas é um universo particular de infinitas possibilidades, ou seja, se bastam na privacidade para se deliciarem da fluidez desse encontro.
No meu pensar, o homem trai, basicamente, em decorrência destes fatores: a) da insegurança advinda do fato de que a masculinidade é uma construção; b) do medo de se entregar aos afetos - que chamo afetos de intimidade: amor, paixão; c) da dificuldade de lidar com as ansiedades e frustrações que são intrínsecas ao afetivo-sexual; d) da cultura machista que, direta ou diretamente, o incentiva a partir de uma pretensa hiperpotência libidinal. Assim, quanto mais machista a sociedade, mais acentuados serão estes fatores. A fragilidade do masculino o faz necessitar do contato com outros homens, seu grupo de pares. Ficar junto à mulher (es) por muito tempo, de tão absorvente que é o feminino, o faz temer de que possa abrandar a “nitidez” do seu ser masculino. Por desconhecer esse traço a mulher encasqueta caraminholas, quando o parceiro a pretere pela mesa de bar e “pelada” com amigos, etc. “Às vezes, ser homem parece quase impossível e, para isso, é preciso apoio emocional de outros homens” (BIDDULPH, 2003:21). Ao invés de apoio emocional que significa “compartilhar sentimentos”, o que não é o caso, me parece mais adequado se referir a apoio presencial.
O lúdico do feminino, desde tenra idade, é um leque de sentimentos e emoções, quase um treino para a futura doméstica, esposa e mãe. Enquanto o menino, por causa da homofobia, desde cedo é tratado com rudeza, e suas brincadeiras são voltadas para exploração dos espaços e dinamizadas na agressividade e competição. À mulher é permitido se descabelar, ficar histérica, ao homem é vetado “ouvir” e se guiar pelo coração. Para ser macho, o homem tem que resolver tudo sozinho, agüentar a dor em silêncio para não ser tachado de frouxo. Bourdieu (2002) afirma que o privilégio masculino é também uma cilada e encontra sua contrapartida na tensão e contensão permanente, levadas por vezes ao absurdo, que impõe a todo homem o dever de afirmar, em toda e qualquer circunstância, sua virilidade.(p.75).
Em razão disto, como dizem Cuschnir e Mardegan Jr. (2001) é que a máscara permite que o homem tenha diversas experiências na vida, porque ela poderá deixá-lo menos vulnerável internamente em determinadas situações, funcionando como uma espécie de “amortecedor”.(p.221). Por tudo isto, não é um contra-senso criticar o homem por não ter sensibilidade? Enfim, de tanto negar as emoções não é à toa que infartam mais que as mulheres. Isto é, nem sempre a máscara consegue atenuar o impacto da pressão para ser macho. Ao homem cabe somente liberar ou expressar emoções agressivas, potencialmente destrutivas, aí entra os excessos, a exemplo da bebida e das extravagâncias sexuais para se deleitar em comentários, mais tarde, junto aos parceiros. Segundo Biddulph (2002), os hormônios não servem de desculpa para a agressividade.(p.47). Logo, as ações que caracterizam os machões revelam cidadãos “nitroglicerinados”, e os policiais idem - quando excedem -, dando pancadas em estádios, etc. Stekel (1968) ressalta que os sujeitos “puxadores de briga” são, em geral, homossexuais que querem demonstrar a si mesmos a sua masculinidade e que, ao mesmo tempo, procuram a oportunidade de ter contato físico com homens.(p.192). A sua ausência de treino para aceitar limites superlota cemitérios e presídios. Porque, afinal, ser macho é não levar desaforo pra casa!
Mesmo assim, é o macho o ser social que mais têm direitos e reivindica vantagens, quando não na legalidade, os engendra na clandestinidade, de modo que não frustre suas vontades. Todo poder do homem, e do seu domínio sobre a mulher, por certo não advém da sua inteligência, mas do físico mais forte e da supervalorização social do pênis. Muraro (2002) entende que a masculinidade é definida como atividade; a atividade narcísica do pênis.(p.141). Deste modo, o atribuído poder de penetrador e de superioridade por cima da mulher, na relação sexual, generalizou e garantiu seu gozo fálico em todas as sociedades heterossexistas. Para Bourdieu (1998), a dominação masculina se dá na assimetria entre homens e mulheres, instituída na construção social. O ato sexual é pensado em função desse primado que se inscreve na série de oposições mítico-rituais: alto/baixo, em cima/em baixo, etc. (BOURDIEU, 2002).
O homem civilizado rejeita sua parte animal, no entanto, para legitimar sua promiscuidade e adultério, usa sem ressalva exemplos poligâmicos da fauna. Mas, “esquece” de uma variedade de espécies exclusivamente monogâmicas. Há registros de Darwin sobre cobras machas que perdem algum tempo com as fêmeas mortas antes de prosseguirem em busca das parceiras vivas (WRIGHT, 2006). Trair não é natural, somente pode haver traição quando, de forma direta ou não, se tenha algum compromisso ou investimento afetivo, relacional. Assim, pode-se dizer que os animais não traem. Mesmo acasalados, cruzam com todos que forem possíveis de encontrar no seu caminho. Não tem consciência de opção pela parceria, esta se dá pela oportunidade de aceso, e, no geral, em obediência ao ciclo reprodutor ou cio. Obviamente, não consideram uma série de itens subjetivos e preferenciais na escolha da parceira (o) como faz o bicho homem.
As pessoas assumem compromisso trabalhista, parceria comercial, e tentam cumprir essa promessa. Assim sendo, aceitam pagar multa quando quebram, por vontade própria ou por motivo de “força maior”, esse contrato. Porém, quando se trata do contrato afetivo (informal ou legalizado: casamento) não tem o menor pudor, geralmente não se preocupam de machucar o outro. A perda afetiva, da parte que não desejava a separação, raramente é “ressarcida”, nem que seja com um mínimo de consideração. Nenhum envolvimento com uma nova pessoa justifica que não se possa ter um cuidado com o outro preterido ou que está sendo “largado”. Geralmente os parceiros são desrespeitosos, cruéis e raivosos nos “términos” (aspado porque nem sempre termina quando separa) dos relacionamentos. O que é, no mínimo, pouco saudável, principalmente quando se tem filho (s).
No geral, o macho se enrosca com as perdas dos vínculos afetivos, age de maneira extremista, nega essa dor ou quer destruir a fonte do seu desprazer. O “ponto final” da mulher, nunca é visto como um “chega” aos seus abusos, mas, da suposta traição da mesma em andamento. Por centrar-se no sexual, ele fantasia no seu “lugar” um sujeito provedor dos mais intensos orgasmos. Não reflete suas atitudes, e ainda se auto-revela inseguro do desempenho sexual. As músicas com as quais o macho dá evasão a esse drama, a chamada “fossa”, etc., às vezes, sugere mais um estranho louvor ao dito Ricardão, do que o lamento pela perda real ou potencial daquela que, de repente, ressurge como “amada”. Isto parece confirmar o que diz Gambaroff (1991), em um sistema de casais heterossexuais, a homossexualidade latente de um pode impelir o outro a um relacionamento com um terceiro.(p.40). Será que esse homem, em nível inconsciente, não negligencia a mulher para ter, por meio dessa paranóia o outro (imaginado) através dela? Em alguns casos, em relação à mulher, pode até ser, mas a maioria dos homens as trai, mesmo, é por insegurança e abuso de poder.
Um adulto jovem me procurou para fazer psicoterapia, sua mulher o havia traído com seu melhor “amigo”. Em quase todas as seções tecia em detalhes uma nova e bem arquitetada trama de como eliminar a esposa. As mesmas consistiam de simulações de acidentes, cortar-lhe os mamilos com alicate, a injetar-lhe sangue com aids. O mais bizarro nessa dupla traição, e que ele nunca manifestou para o “amigo” a sua decepção, o tratava como se nada tivesse acorrido. Enfim, enquanto esteve comigo não concretizou suas intenções macabras, nem soube nada ao seu respeito no noticiário.
O macho tem dificuldades de repensar sua postura e, na maioria das vezes, degringola a parceira. Cuschnir e Mardegan Jr. (2001), chamam a atenção para o fato de que o homem nota que há aspectos da relação que precisam ser renovados, mas não sabe tomar a iniciativa. Falta a ele uma certa flexibilidade para compreender a companheira. (p. 169). Por certo, se alguém não cumpriu a contento o seu papel, não foi esse camarada “completo por natureza” e agraciado pela cultura. E sim, a mulher, o “oceano negro” a quem Freud atribuiu, ou se interroga sobre “o que ela quer?”. Entretanto, é esse ser freudiano indecifrável que nos últimos tempos reivindica direito, se qualifica e galga, cada vez mais, espaços de trabalho. Está se descolando do subjugo do macho, quebrando as amarras que a mantinha “cativa”. Lipovetsky (2000), diz que doravante livres, as mulheres são mais acessíveis como parceiras sexuais, mas, ao mesmo tempo, mais intimidantes, mais ameaçadoras para o homem. Muitos homens não compreendem mais o que as mulheres esperam deles.(p.58).
Do mesmo modo a pós-mulher, a exemplo de M. Dowd, colunista do New York Times, que afirma ser muito difícil para as mulheres decifrar o que os homens querem com elas. (Veja Especial, 2006). O homem parece bem mais complicado na seleção da parceira, um simples detalhe que não goste na mulher pode levá-lo a se desinteressar por ela. Talvez pelo fato de ser mais visual, qualquer item pesa na composição do seu desejo como um todo, e também pela grande disponibilidade do sexo oposto. A mulher mesmo que considere uma característica desfavorável num pretendente, parece tolerar mais, não se deixar eclipsar por ele. Consegue ir adiante e identificar algo positivo que se contraponha, de forma que não esvazia, pelo menos num primeiro momento, seu interesse pelo indivíduo. As mulheres são “escravas” do estético, e “se transformam naquilo que são na mente dos homens”(NIETZSCHE, 1900-2000). Todavia, não tão leais a esse senhor, o belo não lhes seriam, em tese, tão fundamental, mas a segurança seja material ou emocional dos parceiros. Para Lipovetsky (2000), mais que as mulheres, os homens esperam encontrar a beleza na sua parceira, conferem mais importância às qualidades estéticas, e isso em qualquer idade.(p.191).
Na concepção do macho a mulher se enquadra em apenas dois tipos: a) para casar: “direita”, de preferência virgem, assexuada, um clone da sua santa mãezinha para o domínio do lar e geração de prole; b) para o sexo: da rua (nem sempre profissional do sexo) que, se for “boa de cama” e prometer exclusividade, poderá ser um devir da outra, “filial” na sua vida. Para Wright (2006), o fato é que muitos homens ainda falam abertamente de “vagabundas” e de sua utilidade normal: ótimas para a gente se divertir, mas não para casar. E há mesmo homens (culto e liberais) que nem sonhariam dizer tal coisa, mas na realidade agem como os demais - grifos do autor.(p.13). Amantes e profissionais do sexo, talvez para atenuar sua condição desviante e inocentar os parceiros/clientes. Tentam convencer que os mesmos as procuram porque se ressentem da escuta, e elas acusam suas mulheres dessa indiferença. Uma espécie de “psicólogas” de alcova, papel pelo qual se envaidecem por considerar que desempenham muito bem. Porém, Goldenberg (1997) diz que a relação extraconjugal não significa absolutamente que existe uma falta no casamento. É uma presunção enorme das amantes achar uma falta para elas existirem - grifo nosso. (p.107).
Comumente, macho nenhum expõe seus reais sentimentos para mulher alguma, ou, talvez, para ninguém, pelo menos pelas vias diretas. Portanto, ele apenas diz aquilo que lhe interessa ou através do qual tire proveito. Uma vez que, na sua cabeça “abrir-se” pode ser traduzido como fraqueza. Mas tem mulher que, diferente da vontade de um diálogo espontâneo e troca de idéias, pretende se apossar da cartografia mental do outro. Por insegurança ou por desejo de domínio e manipulação, irrita o companheiro, quer saber tudo, em minúcias, o que ele sente por ela e/ou o que pensa a seu respeito. Uma necessidade meio compulsiva de ouvir constantes feedbacks sobre esse amor que lhe dedica o parceiro.
Feito “saco sem fundo”, é raro que ela fique satisfeita, a saída do homem é, num tom “insuspeito” de qualquer incongruência, lançar a clássica frase: “Se não gostasse ou não te amasse não estaria com você!”. Enfim, resta distinguir se isso faz parte da habitual dificuldade masculina para falar dos afetos ou se é pura embromação. Mas, declarar-se meio reticente ou pouco afirmativo, é natural que gere algum nível de insegurança. Do contrário, a mulher não precisa de um amante, mas de um “pai” para lhe acalentar. Estratégicas, muitas mulheres são só usam a gravidez, mas também, maternam seus parceiros como se filhos fossem, na esperança de que, assim, os mesmos não tenham “olhos” para outra(s).
A presença física do macho, para ele mesmo, já é o suficiente, uma vez que se julga objeto de cobiça, assim a mulher que estiver com ele é a “privilegiada”. Portanto, tem que lhe render reverências. Por vezes, ele cria situações para que seja ou pareça ser disputado. Todavia, para a mulher a presença, por si só, não quer dizer muito, tem que falar, comungar intimidades. Parece pouco confiante na própria avaliação que faz do sentimento do outro. Onde está o seu tal sexto sentido? Um sujeito sem escrúpulo pode aproveita-se dessa carência. Como diz Biddulph (2003), alguns homens têm um desejo patológico de ferir e dominar.(p.63). O homem, mais “econômico”, direto, se certifica do amor que lhe cabe e fica tranqüilo. Por vezes, tenho que chamar a atenção das pacientes para as expressões sutis ou não verbais de bem querer dos seus parceiros.
No macho, em termos de sexualidade, “nada pega”, do contrário, como já foi visto, o enaltece. A moral sexual manifesta-se segundo um duplo padrão social: indulgência com as extravagâncias masculinas, e um olhar muito severo quando diz respeito às mulheres. (LIPOVETSKY, 2000, BOZON, 2004). Isto é reforçado por Wright (2006), quando afirma que os homens foram desenhados, por um lado, para serem sexualmente livres, mas, por outro, para relegar a uma posição moral inferior as mulheres sexualmente livres “prostitutas”- grifo do autor.(p.124). É notável a facilidade com a qual a mulher é rotulada de vadia, etc., nem precisa que ela seja devassa igual ao homem, ou que se envolva por dinheiro, mas que se aproxime do estilo sexual de ser o masculino. Beauvoir (s/d) diz que ninguém é mais arrogante em relação às mulheres, mais agressivo ou desdenhoso do que o homem que duvida de sua virilidade.(p.19).
A conduta opositora de “dama na sociedade” e “puta na cama” é uma danosa deturpação que inscreve o sexo casto no domínio do privado, e a livre expressão da sexualidade no domínio público promíscuo e/ou pago. Segundo Wright (idem) em sua forma extrema, patológica - o complexo santa-prostituta -, a dicotomização da mulher deixa o homem incapaz de fazer sexo com a esposa, de tão santa ela lhe parece - grifo do autor. (p.55). O homem é a medida de todas as coisas, dizem isto às mulheres desde a época áurea da Grécia (FRIEDMAN, 2002). Porém, não há a inveja do órgão masculino que Freud quis impor, “mas, das oportunidades, das conquistas, do que foi dificultado ou impedido às mulheres”(MONTEIRO, 1998).
Enfim, a dupla moral social permite que o homem se aproprie da “puta” e da “santa”(NUNES, 2000). Daí o dilema das moças que, se por um lado “mostrarem-se recatadas”, podem não agradar; por outro lado, se “desinibirem-se”, poderão ser julgadas ou “usadas”, e nunca mais procuradas. Acredito que, nesse caso, a maior ressonância do preconceito é o que vem da mulher. Há uma tendência do parceiro a desqualificá-la ou a valorizá-la em conseqüência da sua maneira de encarar a própria sexualidade. Cabe ressaltar que respeito não é sinônimo de repressão, restrição ou “trava” na expressão do desejo sexual. Como diz M. Yourcenar: casto, é todo prazer sentido com gosto. Devido ao conceito judaico-cristão de sexo não reprodutivo como pecado, parece difícil, principalmente, para mulher se desvencilhar do tributo da culpa. Sempre tem, nem que seja um “filete”, esta suposta maldição, mesmo nas que se consideram liberais.
Posadas (2001) diz, mas não vamos pensar que as mulheres são sempre umas pobres vítimas, umas bonequinhas entreguem de corpo e alma ao homem que se apossou de seu coração.(p.83). No entanto, não tem como negar que as cobranças sobre as mulheres, de tão gritantes beiram à perversidade, ceifam sua autonomia e lhes conferem “donos”: pai, irmão, marido. Muitas aceitam essa “coleira” de castração. O que se deduz que haja um ganho, pelo menos, secundário. Certamente a ilusão de que assim são amadas e estão protegidas. O quase sempre sábio Freud (1917-1989) diz que “a repressão sexual sobre a mulher teria como meta fixá-la a um único homem, para garantir o sucesso do casamento através da sua monogamia”. Talvez, o fato de considerar as emoções, sexo e amor integrados, não sejam tão inatos assim, mas produto dessa dominação. Somente na certeza do amor do parceiro é que ela, de fato, se libera das rédeas castas, e o sexo termina sendo uma extensão da expressão do seu amor. Desse modo, mesmo que enverede pelo sexo libertino, pelo menos de início, não será tão simples desprezar essa ordem.
Pelo exposto é possível considerar que, nenhuma mulher, por mais “completa” que seja: bonita, corpo escultural, personalidade integra, esteja isenta da traição. Porque a traição, não decorre das suas faltas ou falhas. Mas da aprovação e incentivo da cultura a uma sexualidade irresponsável, promíscua para o homem, que julga, assim, honrar sua condição de macho. Para Muraro (2002), o corpo do homem é fragmentado. Por causa dessa divisão não se joga inteiro em nada (passim). Quando o homem ama, seu amor não exclui a infidelidade. Deve-se lembrar que a paixão, apesar de fugaz, ela é mais intensa que o amor. A fissura no homem o permite transitar no prazer sexual sem culpa. Embora seja isso corrente, não obstante, é um exagero atestar que ele nunca esteja inteiro. O que seria desconhecer sua aptidão para se apaixonar por uma pessoa, um projeto.
Segundo Derrida (2004), a paixão amorosa é, pois, a perversão da piedade natural. Diferentemente desta, ela limita nosso apego a um único ser. (p.214). Todavia, quando o homem se apaixona ou se torna dependente sexual, perde quase toda racionalidade, deixa de enxergar o óbvio. A mulher na mesma situação se mantém questionadora e maliciosa, embora, nem sempre, tenha mais condição de tomar decisões. O macho compulsório sexual não se preocupa em gerar filho(s), ignora prováveis sentimentos da parceira, e, quando se trata do eventual, pode até esquecê-la, antes que ela se recomponha. Para o macho, o contrário é verdadeiro, pois detesta ser usado, e é sensível para perceber-se na posição de objeto sexual, até porque essa é a sua praxe para com o (s) outro (s).
Ninguém completa ninguém, mas a mulher parece persistir nessa onipotência para com o parceiro. Justo ele que traz consigo o germe da falta, da divisão e o aval social para o adultério!? Quando o homem trai, o que é complicado para a mulher entender, isso não significa, necessariamente, que ele deixou de gostar ou de amar a parceira. No entanto, nem por isso o masculino deve fazer uso dessa condição. A traição causa sofrimento, um homem sensato, humano não vai magoar a parceira à toa, não tem ou domina a tal necessidade de auto-afirmação. O homem, em particular o latino machista, quer tudo ao mesmo tempo, tanto a segurança de casado quanto à liberdade “nômade” de solteiro. O mais contrastante é que jamais cogita para parceira tais expedientes.
Com pertinência Bauman (2005a), diz que o desejo de amar e ser amado só pode se realizar na genuína disposição a comprometer a própria liberdade, caso necessário, para que a liberdade da pessoa amada não seja violada.(p.69). Ou seja, qualquer forma de casamento não combina com gandaia, de algum modo tem que se abdicar, está bem consigo para não ansiar por essa “liberdade”. A mulher tende a ser irrestrita na entrega. Assim, quando se descobre traída, se sente rebaixada na sua auto-estima como a última das criaturas. As adúlteras que até então atendi, tendo ou não sido traídas, todas, de alguma maneira se sentiam “putas”. Como se esperassem ser condenadas, logo ficavam surpresas quando lhes perguntava o preço que haviam cobrado por programa. Assim, parecia se sentirem compreendidas de que seu delito não era o dos piores crimes. O remorso vivenciado era prova de que seu feito (adulterar) não fora banal. E a culpa, mesmo depois de algum tempo, “insistia” em permanecer, por vezes, sutilmente camuflada.
Goldenberg (2004) diz que a mulher, mesmo quando trai, continua se percebendo como uma vítima, que no máximo reage à dominação masculina.(p.92). Minhas pacientes se apaixonaram ou forjaram a paixão, como meio para justificar a traição e encorajá-las a trair. Sendo ou não uma vontade latente, nestes casos, a traição consistiu numa vingança para resgatar a estima. Mesmo se dizendo apaixonadas, nenhuma, até onde as acompanhei, deixou o marido. Porém, quando a mulher se apaixona, de fato, pelo sonhado “homem da sua vida” e é correspondida, muda de figura. Daí, a traição feminina tender a ser mais arriscada, uma vez que, mais do que irresponsabilidade, atua a fusão sexo/paixão que para mulher, em geral, é difícil separar. Estes casos são mais raros de vir ao psicólogo (a), pois, os amantes logo embarcam na perspectiva deste “achado”.
Mas, partindo da premissa de que “todos os homens são iguais, e que mudam apenas de endereço”, então o que leva as mulheres se chocarem tanto com a traição dos parceiros? Às vezes, mesmo de posse de um histórico pouco confiável deles com as exs, o que as faz pensar que com elas seria diferente? Talvez uma “predisposição” romântica que superestima seu amor com poderes mágicos de transformação. Reminiscências do complexo de Cinderela, que a fazem imaginar em todo homem que desponta na sua vida o provável príncipe encantado. Não aceitam que, na maioria das vezes, não tem jeito, sapo é sapo mesmo, apesar de “milhões de beijos”.
Para Lipovetsky (2000), apesar de exaltar a igualdade e liberdade dos amantes, o amor não deixa de ser um dispositivo que se edificou socialmente a partir da desigualdade estrutural dos lugares dos homens e das mulheres. (p.21). Ou seja, mesmo com profissão definida e independência econômica, muita mulher mantém o desejo secreto de proteção, “a menina assustada” sob a capa da auto-suficiência e que por isso acata, de uma forma ou de outra, o domínio do macho. Para Nietzsche(1900-2004), através da idealização do amor, elas aumentam seu poder e se apresentam mais desejáveis aos olhos dos homens. Mais iludidas que os homens, por isso sofrem mais com a desilusão que quase, inevitavelmente, ocorre em sua vida. Nesta ótica, Bozon (2004), diz que sobre as razões que levam a ter relação sexual, os rapazes de 15 a 18 anos declaram desejo, atração ou curiosidade, enquanto as moças, em qualquer idade, indicam amor e carinho, e se declaram muito apaixonadas por seus parceiros. “Elas continuam maciçamente a sonhar com o grande amor, ainda que fora do casamento”(LIPOVETSKY, 2000:28).
Atualmente, me parece que muitas mulheres não estão mais tão românticas e passivas assim, aprenderam um pouco com os homens a ser “pele grossa”, e, com a “carta de alforria” da sexualidade, também tomam iniciativa e usam os homens como meros objetos sexuais. Para Acton (apud WRIGHT, 2006), a maioria das mulheres (felizmente para elas) não é muito perturbada por desejos sexuais de qualquer tipo. O desejo acha-se em estado latente, e mesmo quando despertado (o que em muitos casos jamais acontece) é muito moderado em comparação ao do homem - grifos do autor.(p.13). Não é por santidade que o desejo sexual da mulher não seja explícito, isto é resultado da repressão. Porém, muitas já se libertaram, ou não absorveram, por completo, o confisco da sua razão e sexualidade. Assim, quando no anonimato, isentas do julgamento do entorno, não se comportam nada pudicas, mas com a mesma voracidade e senso oportunista dos homens.
A favor da dominação masculina, se forjou os mitos da mulher frágil e de seu apetite sexual brando. Segundo Bauman (2006), para que um domínio se sustente, é preciso tornar, e manter, vulneráveis, inseguros e amedrontados os objetos humanos.(p.86). A fêmea tem o mesmo desejo sexual que o macho, mas de acordo com o que se convencionou de decência e de familiar. Ela aprendeu a disfarçar e reprimir desde os primórdios. Até por que seu gênero dificilmente é motivo de orgulho. Nenhum pai mostra a vagina da menina, não obstante faz questão de exibir, como um troféu, o “pintinho” do menino. Por exemplo, a atriz Isabel Fillardis disse sobre o filho: Ele é lindo, todo grande. Até as partes mais íntimas. Vai ser a alegria da mulherada. (Época, 2004:14). Com apenas 11 meses o bebê já recebeu o “carimbo” da divisão e o aval para a traição e supervalorização do pênis, no caso, grande, como objeto da alegria destinada, não a uma mulher - o que seria demais toda essa exuberância -, mas a várias, o genital “socializado”. Friedman (2002), salienta que o pênis é muito mais do que uma parte do corpo. É uma idéia e um símbolo, um sinal tão poderoso que é, ele próprio, simbolizado por outras coisas. (p.139).
Na verdade, as mulheres são forçadas a vestirem o véu do falso pudor. Ninguém é perfeito quando se trata de gente, isto é relativo ou sem sentido, nem completa totalmente o outro. A maturidade consiste em aceitar as qualidades e defeitos do parceiro (a), na medida em que juntos crescem nas diferenças e similaridades. O macho alfa quer a mulher liberada, mas receia por associá-la à promíscua, incapaz de suportar a frustração sexual, portanto, receptiva à sedução de qualquer homem. Na realidade, devido a sua prepotência ele teme ser comparado e a mulher experiente é mais apta para isso, enquanto que, uma outra mantém seu status quo. O conflito na relação, que em tese, pode impulsionar o crescimento, a mulher parece suportar melhor essa angustia, mas para o macho isto é trabalhoso, e, uma vez que lhe é permitido pelo social, descamba no mais fácil: no sexo, na conquista de nova (s) parceira(s).
É um equívoco achar que o macho é displicente para ocultar vestígios da sua traição, e, por isso, acaba por se autodenunciar. Embora, o proibido para os imaturos tenha lá o seu fascínio, na verdade o macho quer mais é que o mundo e a parceira (“matriz”) saibam. Não devido à “febre” de uma louca paixão, mas, porque a partir dessa revelação não é mais preciso usar de artifícios para se esconder. Levando-se em conta que: primeiro, ele é todo cheio de direito; depois, a monogamia é uma terrível imposição ao homem imaturo (o que não tem a ver com idade) e, por último, nesse imaginário se “embriaga” com idéia poligâmica, o sonho do harém.
No campo da biologia, Houzel (2005), diz que o rapaz é por natureza polígamo, dono de raros receptores para vasopressina V1aR no sistema de recompensa, que é muito maior em espécie monógamas. O que levam, Burnhan e Phelan (2002) a afirmarem que, qualquer que seja sua escolha relativa à fidelidade na vida real, o organismo humano foi projetado para a infidelidade.(p.167). Dawkins (1989) salienta que algumas sociedades humanas são promíscuas e outras têm haréns por base. O que esta surpreendente variedade sugere é que o modo de vida do homem é, em grande parte, determinado pela cultura, e não pelos genes.(p.261). Nesse sentido, Wright (2006:195) diz que a influência cultural pode ser tão inconsciente quanto à influência genética. O que não constitui surpresa, dada a profundidade com que as duas se entrelaçam.
Como já foi dito, a traição machuca, sendo desrespeitosa para qualquer dos gêneros que a pratique. Porém, em termos quantitativos o macho não seria o ente mais apropriado para o adultério e o harém. O homem depende da ereção e sua potencia sexual não se assemelha a do cavalo reprodutor, daí a contradição! Então por que esse mito de garanhão? Para Schopenhauer (apud YALOM, 2005) é contra a natureza da mulher limitar-se a um só homem no curto período de seu florescer.(p.181). Em termos da sua fisiologia, a mulher é quem tem mais condição de atender a uma demanda maior de parceiro. Primeiro, porque ela leva mais tempo para se excitar e, depois, porque a sua sexualidade não precisa, necessariamente, do intumescimento de nenhum órgão sexual, a exemplo da ereção do pênis. Este, considerado “o órgão mais honesto do corpo do homem”(FRIEDMAN, 2002:266). Isto, certamente, se dava no passado, uma vez que agora pode ocorrer à ereção postiça por obra dos vasodilatores.
Para o macho, ter várias mulheres pode lhe servir como escudo para sua dependência afetiva, o que vem a calhar com a fissura que o resguarda da ameaça de partilhar seu interior. Isto é, está com todas, mas não se entrega a ninguém. Para Simmel, a sexualidade masculina é centrífuga, a partir desta perspicácia Goldenberg (2004), diz que os homens teriam relações sexuais com mais parceiras porque não se relacionam com uma única mulher, mas com a mulher em geral.(p.59). Somente haveria constrangimento para o homem adúltero se o mesmo fosse submetido aos crivos proibitivos da moral que rege a sexualidade feminina. No entender de Pasini (2006) e Wright (2006), a traição masculina é mais aceita, e a feminina ainda é um tabu, porém, com tantas conquistas das mulheres isso não faz mais sentido, e os homens estão cada vez mais ciumentos. O ciúme deles se centra na infidelidade sexual, e o delas na infidelidade emocional. Em minha opinião, devido a sua atual independência, as mulheres estão se autorizando à infidelidade, já não se permitem padecer na carência afetiva/sexual, ou na cumplicidade mantenedora de relacionamentos “mortos”.
Algumas mulheres para comprovar seu amor, entregam o que considero “chicote ou forca”, deixa explicito ou subentendido para o parceiro sua aguerrida fidelidade canina, e a disposição de restringir a sua liberdade pela relação. Nessa jura de amor incondicional, os elegem como absolutos, e os colocam no “palco” da sua existência sob os “holofotes” de suas emoções e dedicação exclusivas. Porém, é preciso respeito pelo humano (homem ou mulher) para não abusar desse lugar em que foi colocado, ou melhor, pinçado do anonimato para ser “celebridade” na vida do outro. Se isto pode fazer a mulher arrogada, ao macho muito mais, porque além de se achar o máximo, foge das emoções e da intimidade (muito mais do que corpos nus na cama). É preciso um mínimo de estrutura emocional e moral para suportar-se nesse centro, ser a “figura” sem bagunçar o “coreto” do outro ou deixá-lo como “fundo”. Os machos são mais prudentes ou são mais omissos, não se comprometem, quase nunca deixam claro que essa mulher é única ou é a razão da sua vida. Saem pela tangente, ou quando fazem, não é raro que seja com objetivo de sedução.
Embora as mulheres exijam mais provas de amor, no entanto, tendem mais a perdoarem as estripulias dos parceiros. Como diz Wright (2006) as mulheres, aceitam viver com o companheiro que as traiu com maior facilidade que os homens.(p.121). Algumas mulheres parecem tolerar mais a “divisão” do parceiro com uma outra, do que com a própria família deste. Na arena das disputas e implicâncias entre sogra e nora, há algo de insano de ambas as partes que se fecha para negociar seu “objeto”: filho/marido, etc. A ciência parece ignorar esta questão, enquanto a cultura apimenta como folcloricamente natural. Alguns homens e, principalmente, algumas mulheres chegam a ser odiosos com as sogras, pelos menos eles dão a essa perseguição “canibal”, que também é recíproca, nuanças de humor.
Os homens têm dificuldade de conviver com o saber de que foram traídos. Para o macho trair é banal, e até reconfortante, podem até sentir culpa, mas é devido ao medo de abrir precedente. Mas quando traído, sua imagem é comprometida, pois o “olhar” público o tem como desmoralizado, e sob a suspeita da incompetente sexual, e assim, passa a ser, o que é bastante desumano, motivo de chacota. O homem também não tem nenhuma garantia de que não venha a ser traído, apenas a probabilidade de que isso não ocorre com tanta freqüência. Uma vez que a providencial máquina da opressão, que transpassa os séculos, cuida de manter as “rédeas curtas” no feminino.
Na minha visão, é tão falso dizer que o homem é forte, quanto afirmar que a mulher é frágil. Na realidade, frágil é o homem, não um frágil simplório, mas paradoxal. Talvez, devido a essa fragilidade, tenha usado seus recursos naturais e criado mecanismos sociais e culturais para sua dominação. Cuschnir e Mardegan Jr. (2001), dizem que o novo homem deve aprender a retomar as máscaras que ele usou e passar a usá-las apenas para proteger sua alma. Esta é a finalidade da revolução silenciosa: novas máscaras para a alma masculina.(pp.213-214). Esta conclusiva é um absurdo, simplesmente ridícula. Então, o homem não pode viver sem máscara? Que revolução é essa em que o sujeito continua mascarado? A mudança efetiva emergirá quando o homem se desprender das mentiras que o trancafia no seu próprio corpo, bem como se despir das exigências que fazem dele uma fortaleza virtual.
Para Muraro (2002), só os poetas, os místicos - aqueles que integram mente e corpo -, dentre os homens são os que têm aceso à mulher.(p.194). Outra bobagem, a posição social da mulher não tem a ver com sensibilidade, é uma questão estrutural ligada aos direitos. Prova disso é que, de posse do poder as mulheres atuam com a mesma dureza do masculino. Elas ainda não reagiram para dissipar a polaridade dominador/dominado que, de modo geral, parecem fixadas no modelo que traduz machismo como “força” e “segurança”. Como diz Bourdieu (1998) a educação exerce uma ação psicossomática que leva à dominação masculina.(p.18). Assim, os homens não machistas, por vezes, são preteridos. Já atendi alguns com tremenda inveja dos cafajestes. Diziam que estes são os que fazem sucesso com as mulheres, pois “aprontam”, e elas continuam “loucas” por eles. Portanto, um tipo a ser seguido. Difícil para eles, foi aceitar que tais preferências não consistem em regra. As mulheres independentes, experientes e, realmente, “resolvidas”, são pouco atraídas ou não sentem nenhuma atração por homens machistas e/ou cafajestes.
No entender de Bauman (2005a) em nossa época líquida-moderna, em que o indivíduo livremente flutuante, desimpedido, é o herói popular, “estar fixo” - ser “identificado” de modo inflexível e sem alternativa – é algo cada vez malvisto.(p.35). Por isso, recentemente surgiu nos Estados Unidos, um projeto de contratos de casamento renováveis, a cada dois anos, que atrai o público. Para Savage (apud BAUMAN, 2005b), as relações renováveis podem ser a resposta, para aqueles que se sentem cada vez mais desconfortáveis diante do compromisso social.(p.152). Ainda segundo Bauman (idem), as relações a partir da amizade poderiam transformar-se em nossas tábuas de salvação, e que o “encontro veloz” (uma espécie de esteira de bagagem dos encontros), é apenas um de uma série crescente de estratagemas oferecidos no mercado das “relações humanas”.
Finalmente, o poderio machista nunca deixou de existir “o homem é o futuro do homem e o poder masculino, o horizonte insistente dos tempos democráticos”. (LIPOVETSKY, 2000:305). Embora, os privilégios sexuais masculino não tenham sido totalmente rompidos, mas existem agora abundantes evidências de que não sejam inevitáveis nem imutáveis (WEEKS, 2001). Sem dúvida homens e mulheres são vítimas de um padrão de vida e relacionamentos que precisam de uma revisão drástica (BIDDULPH, 2003). Mas, vale salientar que o machismo é resultante das posturas e necessidades da mulher, que é gerido pela suas atitudes enquanto mãe e professora primária, que fomentam a base da formação psíquica da criança. Na verdade, a mulher termina sendo a maior vítima da sua criação. Ainda embevecidas com as conquistas recém adquiridas, elas também se sustentam no fálico (modelo masculino), o que emperra o avanço da igualdade dos gêneros. Como diz Hugheim (apud SGARBIERI, 2003), as mulheres é que, assumindo o poder e sem deixar de ser mulheres, tornarão o mundo de novo habitável.(p.125). Felizmente, o dínamo criativo das transformações é encubado nas entranhas do feminino de ambos os sexos.
Fonte: www.algosobre.com.br
1 comentaram:
Muito massa esse artigo maninha. Alguns desses autores são os principais referenciais teóricos da minha dissertação de mestrado como por exemplo o GILLES LIPOVETSKY com sua ideia de "sociedade efemera" e "império da moda" e o BAUMAN com seu conceito de "amor líquido". Sucesso p/ vc maninha!
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